Política no dia a dia: o que muda a sua vida sem você perceber
Do preço da feira ao tempo do ônibus, tudo passa por escolhas coletivas.
Gostar de política virou sinônimo de militância nos últimos anos, já que o ambiente midiático escancarou a polarização das ideias e lados, como se as pessoas não tivessem necessidades básicas iguais e escolhessem seus líderes por uma identificação simplória, de relações e características humanas. Mas esse comportamento dos últimos anos é compreensível.
Alguns afirmam que política virou um tema cool, elitizado, que só pessoas interessantes debatem, mas isso é uma ilusão. Para falarmos desse assunto, é interessante entender que a palavra “política” vem de polis, que significa “cidade”. Logo, política está para as atividades e práticas relacionadas à comunidade bem como o grupo de WhatsApp está para a família no Natal. Ou, se preferir: política está para as situações da cidade que afetam a sociedade bem como o pastel está para a feira de sábado (em alguns casos, domingo). Ou seja: não dá para separar certas questões.
Então, se eu utilizo o transporte coletivo e levo duas horas para me deslocar do trabalho para a minha casa, eu devo normalizar essa estrutura ou procurar saber o que o candidato em quem me identifico diz a respeito ao tema ou quanto ele está engajado nas pautas que se referem à geração de empregos na cidade em que resido? Ou então, se não me identifico com nenhum lado em questão (direita, esquerda ou centro), devo me preocupar e entender que há uma classe que a cada dia define meu bem-estar, decidindo (ou não) como transformar a vida dos cidadãos daquele lugar?
O que não deveria acontecer e, que o tempo todo acontece, é o fato de que situações políticas, onde direitos também são interrompidos ou prejudicados, se tornam casos normalizados.

Política na prática
Certa vez, uma pessoa compartilhou com um de nossos colegas sobre a segurança de seu bairro e, de como ela se sentia vulnerável e impotente após ter sido assaltada em frente à sua casa. Ela segredou que não saía mais à noite e tinha medo de caminhar na rua.
Em uma conversa informal, essa pessoa foi orientada a procurar um vereador para saber o que poderia ser feito no território então. Ali, naquele papo no gabinete, a autoridade solicitou que ela levasse um abaixo-assinado com o nome dos moradores locais solicitando a mudança do ponto de ônibus em questão.
Não houve um desfecho do problema até o presente, mas ocorreu uma mudança no comportamento dos residentes daquele lugar, pois eles passaram a saber o caminho da transformação no município. Passaram a entender que os problemas não são fixos e que, sim, a falta de segurança no bairro interrompe o direito de ir e vir do sujeito. E esse direito está assegurado na Constituição e deve ser cumprido.
Outro caso interessante foi o de um amigo nosso, que percebeu que a praça do bairro onde mora estava completamente sem energia. Preocupado com a segurança local, ele procurou informações e enviou uma solicitação à secretaria responsável pela área através do site da Prefeitura de Santo André. Segundo o morador, em poucos dias ou até semanas, a praça estava completamente iluminada, melhorando assim a qualidade de vida de todos que residem na localidade. É importante ressaltar que a comunidade em questão não aguardou pela vistoria dos vereadores eleitos.
Há os impactos diretos que acontecem a partir dos serviços públicos e/ou que são contratados pela prefeitura através de licitação. É o caso da qualidade dos ônibus da cidade, da demora entre o trajeto casa e trabalho. Ou quando certas localidades do município, geralmente próximas ou sendo a própria periferia da cidade, ficam sem o abastecimento de água durante a noite. Mas essas pessoas pagam menos pelo serviço no mês? O boleto vem indicando um desconto por não usarem nada de água a partir das 22h? Provavelmente não.
O que também implica nas problemáticas da cidade como as situações mencionadas é a falta de investimento público. Muitas vezes, não se trata apenas de ausência de políticas públicas ou de vontade política ou até mesmo de fiscalização por parte das autoridades e/ou da população, mas sim de recursos que não chegam onde deveriam chegar. A cidade cresce, a população aumenta, mas o orçamento destinado a serviços essenciais não acompanha essa realidade. E, quando isso acontece, o resultado é claro e conhecido: transporte lotado, escolas sucateadas, postos de saúde sem médicos, ruas escuras e bairros sem água. Sem investimento consistente, os direitos que estão assegurados na Constituição ficam apenas no papel, enquanto a vida concreta das pessoas continua sendo interrompida por problemas que poderiam ser evitados.

Viver é Político
É importante ter curiosidade sobre os caminhos de transformação da cidade e, este é também um exercício diário de treinar o olhar individual para perceber o entorno, as necessidades que vêm dos direitos e as que chegam no lugar dos deveres. Queremos deixar o debate aberto e uma lista de fatores sociais que podem estar sendo afetados pelas suas escolhas ou pela falta delas. Por isso, listamos alguns serviços básicos que impactam o dia a dia da maioria da população:
- Tratamento e fornecimento de água – Você está recebendo a água tratada em casa todos os dias? Sabemos que há bairros na cidade em que o serviço de abastecimento é interrompido às 22h!
- Produção e distribuição de energia elétrica – A maioria de nós sabe que esse serviço foi privatizado nos anos 90, mas ele é custeado com dinheiro público. E nos últimos quatro anos, tivemos uma queda drástica da qualidade do serviço recebido. Alguém contou quantos apagões ocorreram na cidade?
- Serviço funerário – Em 2023, o prefeito em atividade da época aprovou uma lei que permitia a concessão de pelo menos cinco cemitérios da cidade à iniciativa privada. Ao que tudo indica, as coisas ainda não caminharam, mas, se acontecer, haverá um custo inimaginável que prejudicará a população, sobretudo a mais carente de recursos financeiros. Você perde uma pessoa e logo precisa pensar no mercado que ganha com isso...
- Transporte coletivo – Essa dor é comum, então vamos deixar uma pergunta aberta: quanto tempo você leva para se deslocar do trabalho (ou da escola) para casa? O lazer do domingo é beneficiado pela chegada do ônibus no ponto mais próximo da sua residência? Você tem vontade de passear aos fins de semana ou desiste, muitas vezes, pensando na dificuldade, no custo do transporte e/ou na demora (e insegurança) em aguardar no ponto de ônibus?
Viver é político e não apenas um slogan. É preciso que nossas atitudes estejam de acordo com nossas necessidades. Não basta estar insatisfeito com o que vemos no município sem pesquisar sobre candidatos, questionar propostas ou entender o posicionamento partidário de quem pede nosso voto.
Nossa visão política, muitas vezes, vem da criação familiar e não há problema nisso. O problema é não questionar: será que essa escolha é mesmo minha? Faz sentido para a vida que eu quero ter e para a cidade em que vivo?
O coletivo Veracidade quer te ajudar a refletir sobre essas questões e a cobrar melhorias no seu bairro. Porque quando a cidade muda, sua vida, a da sua família e a dos seus vizinhos também mudam.